TCC como abordagem para a terapia de casais
16 de Janeiro de 2020
Josie se sente sozinha, desamparada. Ela olha para Fábio e pensa o quanto gostaria que ele a priorizasse. Por sua vez, Fábio se sente sobrecarregado. Queria que a esposa o criticasse menos, não invadisse sua intimidade e o ajudasse a resolver as coisas da vida de casal.
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Você já deve ter presenciado relatos assim, não é mesmo? Como comenta Maria do Céu Scribel em artigo publicado no livro Terapia Cognitivo-Comportamental com Casais, eles "são frequentes nas sessões de terapia de casal. Josie e Fábio ilustram a situação da maioria dos casais que chegam à terapia com uma profunda dor por não encontrar em seu parceiro o apoio, a intimidade e a colaboração que tanto sonharam ao longo de suas vidas" (2020, p.42).
Os desajustes conjugais e o sofrimento que eles causam contribuem para a ocorrência de diversos transtornos emocionais. Scribel (2020, p.42) cita que os mais comuns são:
1. quadros depressivos e de ansiedade (Epstein, 1985; Epstein & Schlesinger, 1995; Whisman, 1999),
2. enfermidades físicas e laborais (Snyder & Halford, 2012).
Entre as diversas vertentes teóricas que o terapeuta pode adotar na terapia de casais, a pesquisadora cita Leahy (2016) para recomendar, no artigo Terapia Cognitivo-Comportamental com Casais: Integrando Abordagens, as Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs), que "envolvem uma diversidade de abordagens com grande valor de ajuda para a compreensão e a intervenção nos dramas vividos pelos pacientes. Cada abordagem se soma ampliando e enriquecendo o arsenal de ferramentas à disposição do terapeuta." (Scribel, 2020, p.42).
A TCC COM CASAIS
Scribel (2020) explica que os processos circulares da TCC com casais envolvem fatores cognitivos, afetivos e comportamentais (Dattilio, 2006) e que fatores como intercâmbios comportamentais negativos e comunicação distorcida geram danos ao relacionamento amoroso pois se constituem como barreiras para a resolução de problemas.
Baseando-se nos estudos de Dattilio (2011), a pesquisadora salienta que, além dos fatores comportamentais, os fatores cognitivos geram danos aos relacionamentos. A partir de Baucom e Epstein (1990), Scribel (2020, p. 43-44) cita os cinco tipos de cognições que contribuem para o funcionamento e tendem a interferir na satisfação conjugal:
SUPOSIÇÕES:
Crenças sobre as características gerais do parceiro e sobre as interações conjugais. Por exemplo: "Não se pode confiar nos homens" ou "amor não dura".
PERCEPÇÕES:
Maneira como se percebe o parceiro na dinâmica da interação. Em casais clínicos, geralmente as percepções são distorcidas e determinam a forma como lidam um com o outro. Por exemplo: no caso de Josie e Fábio, este a percebia como demasiado exigente e emocional, o que fazia com que não considerasse suas manifestações.
EXPECTATIVAS:
Previsões do que vai acontecer. Caso as expectativas quanto ao parceiro sejam altas, fixam padrões de expectativa negativos quando não satisfeitas que podem funcionar como "profecias autorrealizadoras". Por exemplo: "Ele vai me atormentar novamente, não tem jeito".
ATRIBUIÇÕES:
Inferências sobre os motivos das ações do parceiro, responsabilizando-o pelos acontecimentos. Casais clínicos fazem atribuições de forma maciça sobre o outro ser o culpado pelo conflito. Por exemplo: concluir que o parceiro não ama ou não se interessa pelo relacionamento porque não lhe enviou nenhuma mensagem ao longo do dia.
PADRÕES:
Crenças sobre características que os relacionamentos devem ter, ou seja, sobre o relacionamento ideal. Casais em conflito ficam muito aborrecidos quando os padrões não são atingidos. Por exemplo: "Em um verdadeiro relacionamento amoroso, os parceiros devem compartilhar tudo um com o outro" ou, ao contrário, "Deve-se manter ao máximo a privacidade".
Esses processos cognitivos se manifestam, em algum nível, nos relacionamentos em modo geral. Porém, nos vínculos amorosos, eles ganham uma dimensão crítica, que se deve à natureza complexa dos relacionamentos íntimos. Assim, nas interações de casais em conflito, esses processos cognitivos levam às trocas comportamentais problemáticas e ao mal-estar no relacionamento.
Na terapia de casais, o modelo cognitivo-comportamental permite trabalhar com estes processos cognitivos e mostrar ao casal sua presença durante suas interações, seja durante as sessões ou em eventos fora dela. A adoção de abordagens da TCC também permite "mostrar que esses processos estão na origem dos pensamentos automáticos, aos quais respondem de forma emocional e comportamental (Bonet & Castilla, 2007). É necessário criar condições para que as visões sobre o parceiro e sobre o casamento se ampliem, em vez de permanecerem restritas por cognições distorcidas, as quais contribuem para interações destrutivas."(Scribel, 2020, p. 44). A autora destaca que as mudanças comportamentais geram mudanças cognitivas, pois novos comportamentos precisam de novas cognições que sejam consistentes com elas e vice-versa.
Outras questões importantes para serem pensadas quando falamos sobre terapia de casais são, segundo Scribel (2020), a necessidade do laço afetivo e como isso é processado por cada indivíduo, a forma como cada um aceita ou suprime as emoções na vida amorosa e as questõs de aceitação e tolerância.
INTEGRAÇÃO DE ABORDAGENS DA TCC DE CASAIS
A terapia de casais que se baseia na Terapia Cognitivo-Comportamental permite a adoção, por parte do terapeuta, de diferentes abordagens da TCC. Porém, antes disso, é necessário esclarecer quais são as etapas do processo terapêutico de casais:
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Como mostra a figura, o processo terapêutico de casais está dividido em 4 fases:
1ª fase: avaliação e conceitualização.
2ª fase: estabelecendo um compromisso com a terapia e com o casamento.
3ª fase: intervenção.
4ª Fase: consolidação e finalização.
Você pode saber mais detalhes sobre cada uma das fases lendo "Terapia Cognitivo-Comportamental com Casais: Integrando Abordagens", que é o 1º capítulo do livro "Terapias cognitivo-comportamentais para casais e famílias: bases teóricas, pesquisas e intervenções" (CARDOSO, Bruno Luiz Avelino; PAIM, Kelly Paim. NH: Sinopsys, 2020). Leia de graça aqui: