De volta para casa: Libertando-se de namoros violentos - parte 3 - Sinopsys Editora
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De volta para casa: Libertando-se de namoros violentos - parte 3

17 de Julho de 2019

* Sheila Murta e colaboradores

Dando sequência a nossa conversa sobre namoros violentos (veja mais aqui e aqui), hoje falaremos a aplicação do Modelo Transteórico para proteger-se deste tipo de relacionamento.

A seguir detalhamos cada parte desta trajetória e o que pode ser feito em cada uma dessas etapas para promover a mudança e manter-se protegido de relacionamentos abusivos. Exercícios baseados nos princípios que se seguem estão disponíveis no livro "Libertando-se de Namoros Violentos: um guia sobre o abandono de relações amorosas abusivas", Editora Sinopsys (Murta, Ramos, Tavares, Cangussú, & Costa, 2014b). 


O Começo: Tomando Consciência da Violência no Namoro

Nesta fase inicial, você terá a impressão de que "a ficha caiu". Você perceberá a tensão que existe na relação e poderá sentir angústia, confusão, culpa e acreditar que não conseguirá resolver a situação. Perceberá a importância de tomar uma atitude ainda que não saiba muito bem o que fazer. Seu desejo de resolver a situação se mistura ao desejo de permanecer no relacionamento. Essa confusão fica ainda mais forte quando você deseja sair do relacionamento e ao mesmo tempo investir na relação. 


As pessoas que tomaram consciência da violência o fizeram a partir da vivência de algum episódio de violência severa e muito dolorosa. A partir daí, começaram a se inquietar e interpretar a situação como grave. Começaram a observar melhor suas emoções diante do parceiro e na sua ausência. Este exercício de auto-observação parece ser o ponto central para colocar a mudança em curso. Relatam também que ter o apoio de amigos e investir em autocuidados (como atividade física e terapia) foram de muita ajuda.



Preparação: Tomando Decisão e Preparando o Terreno para Deixar o Namoro Violento

No estágio seguinte, de preparação, você começa a se dar conta de que os maus-tratos são graves, mas ainda se sente preso à relação violenta. Às vezes, você poderá experimentar, sem sucesso, algumas estratégias para tentar resolver a situação como, por exemplo, ameaçar terminar, evitar contato com o parceiro, aceitar suas imposições, revidá-las ou forçar uma gravidez para melhorar o relacionamento. Muitos destes testes de soluções se mostram improdutivos, como a submissão à violência e a retaliação, e outros podem ter alto custo, como engravidar para revigorar a relação. Você poderá, ainda, buscar caminhos para se fortalecer e afastar-se gradualmente da relação:


Assim como no estágio anterior, de tomada de consciência, continua sendo indispensável "se olhar no espelho", mas é importante aprender novas estratégias e cuidados para "manter os olhos abertos", como por exemplo:

1. Escreva todas as palavras humilhantes e depreciativas que você já ouviu de seu/sua parceiro/a. 
2. Ouça o que os amigos e familiares dizem sobre a relação.
3. Converse com os amigos. Eles podem te ajudar a enxergar a realidade, a acreditar em você mesmo e a juntar forças para seguir em frente 
4. Fortaleça sua autoestima. Lembre-se das coisas boas que você já ouviu sobre você mesmo. Se olhe no espelho e responda: quais são as minhas qualidades?
5. Preste atenção em experiências do passado que podem estar afetando a relação atual. Há algum aspecto do seu jeito de namorar que é parecido com o jeito de seus pais e que você não gosta?
6. Relembre de seus relacionamentos passados. Que dificuldades se repetem? 
7. Invista em cuidados com a saúde mental (como fazer terapia) e saúde física

Esses cuidados te ajudam a ver claramente que a relação violenta é um problema e que precisa ser resolvido. Além disso, eles também vão permitir que você se conheça melhor e busque forças para se proteger, ou seja, vão te fortalecer para que você consiga seguir em frente sem adoecer.


Ação: Deixando o Namoro Violento

No estágio da ação, você começará a fazer pequenas (mas importantes) mudanças na sua vida. Essa mudança pode ser no seu comportamento (por exemplo, pedir para conversar e dizer que quer terminar o namoro), no seu jeito de se relacionar (por exemplo, não aceitar mais que seu namorado ou sua namorada faça piadas de mal gosto sobre você na frente dos outros) ou até mesmo no seu jeito de pensar (por exemplo, se convencer de que ciúmes não é uma prova de amor). 


Você pode sentir medo, insegurança ou outras coisas ruins nessa mudança e querer voltar atrás, isso é normal! Mas é importante manter sua determinação e, para isso, existem vários exercícios que podem te ajudar, como por exemplo: 

1. Bole um plano para situações que você tem medo que aconteçam. Por exemplo, se você tem medo de sentir muitas saudades e querer mandar mensagem para seu ex-namorado, você pode planejar que, ao invés de mandar a mensagem, você vai ligar para seu melhor amigo e sair para tomar um sorvete com ele. Assim, quando isso acontecer, fica mais fácil saber o que fazer para se proteger;
2. Trabalhe o seu autocuidado: é importante zelar por si, procurar seu próprio bem-estar;
3. Estimule seu empoderamento: tome as suas próprias decisões, cuide de si mesmo, saiba quais são os direitos e lute por eles; 
4. Treine sua assertividade: expresse sempre seus sentimentos e pensamentos de maneira clara, direta e objetiva, sem ofender ou magoar as outras pessoas;
5. Acesse seu suporte social: pessoas com quem você pode contar, como amigos, família, professores, médicos, agentes comunitários, etc. 
6. Tente regular suas emoções: identifique e lide com seus sentimentos e comportamentos de forma mais eficiente. 
7. Quando você se sentir muito triste, por exemplo, observe bem o que te fez se sentir mal e pense quais são as melhores formas de lidar com essa tristeza.

Assim, você vai ter certeza que tomou as medidas necessárias para se libertar de um namoro violento.



Manutenção: Cuidando para Não Recair

Apesar de você já ter conseguido terminar a relação violenta, recaídas podem acontecer por diversos motivos. Para evitar uma reaproximação com a pessoa ou investimentos em novos relacionamentos do mesmo tipo, você deve manter-se atento. Esta é uma fase de manutenção, onde você utiliza estratégias para manter distância de situações que podem ser problemáticas. Essas estratégias envolvem (Figura 5): 

1. Evitar situações de "tentação" ou risco para a recaída, planejando como evitá-las ou como você pode sair ou resistir a elas.
2. Investir em novos interesses e objetivos de vida.  
3. Ter em mente que você é responsável pelo próprio bem-estar, não colocando sua felicidade dependente do outro.


Pense em como foi difícil, mas ao mesmo tempo gratificante chegar onde você está, faça o possível para manter-se forte. Evite lugares onde você possa encontrá-lo(a), afaste-se de coisas que faça você recordar dele(a), invista em você, na sua aparência, nos seus valores, nas coisas que você gosta, nas pessoas que realmente gostam de você e que podem te ajudar. Após esse momento turbulento a vida segue, construa novas oportunidades para ser feliz.


Da intervenção precoce à prevenção

Em que pese a crença culturalmente compartilhada de que a violência é parte natural das relações, nem todos os namoros são violentos. Adolescentes e jovens podem aprender a lidar com conflitos de modo não violento e expressar discordâncias e emoções desagradáveis, como raiva e ciúme, de modo assertivo. Parte crucial da qualidade das relações amorosas é a capacidade dos parceiros de perceber as necessidades do outro e reagir a elas sensivelmente, apoiando e respeitando a individualidade do parceiro e, ainda, manifestando as próprias necessidades e preferências sem hostilizar ou culpabilizar o outro. 

Os serviços de atendimento às vítimas e perpetradores de violência no namoro devem compor um continuum de serviços focados no enfrentamento e prevenção à violência pelo parceiro íntimo e na promoção da qualidade das relações amorosas. Nestes últimos aspectos, ainda é pequena a pesquisa nacional sobre programas de prevenção à violência no namoro. Os programas até agora existentes têm se centrado em dois braços: o primeiro, dirigido a adolescentes de ensino médio, no contexto escolar, por meio de oficinas participativas com múltiplos encontros que discutem temas como o reconhecimento da violência no namoro; papéis de gênero e direitos sexuais e reprodutivos; e habilidades de comunicação, tomada de decisão, manejo de emoções e solução de problemas (Murta et al. 2013; 2016). O segundo, voltado também para adolescentes, via intervenções breves em diferentes contextos, com a finalidade de desenvolver habilidades de empatia, melhorar a qualidade da amizade e apoiar amigos que vivem namoros violentos a se protegerem da violência (Santos, 2016). Porém, muito ainda precisa ser feito para fomentar a pesquisa nacional nesta temática, alargar a formação profissional para reconhecer e tratar o fenômeno e disseminar iniciativas preventivas e promotoras de qualidade das relações amorosas entre jovens.


Sobre a organizadora:
Sheila Giardini Murta é Professora Adjunta no Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano e Doutora em Psicologia Social e do Trabalho pela UnB, com estágio de doutoramento na Queensland University of Technology, Austrália. Pós-Doutora pela UFSCAR e Universidade de Maastricht (Holanda). Especialista em Análise Política e Políticas Públicas (UnB). Investiga o desenvolvimento, a avaliação, a difusão e a adaptação cultural de programas de promoção de saúde mental e prevenção a riscos para transtornos mentais para pessoas em diferentes estágios e transições do ciclo de vida. 
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Tags

Abuso, Namoro, Psicologia, Relacionamento, Violência

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